07/07/2017

René Ariel Dotti fala ao IDL sobre o atual momento político e jurídico do Brasil

A corrupção na administração pública e privada, a insegurança jurídica e o analfabetismo funcional em matéria política pautaram a palestra “O Momento político e jurídico do nosso país”, proferida pelo renomado jurista René Ariel Dotti a convite do Instituto Democracia e Liberdade no dia 05 de julho.

“Vivemos momentos turbulentos. De um lado, aqueles que acreditam que o país está sendo passado a limpo e que emergirá um novo Brasil. Aflorará uma nação em que se respeitará a ética e os interesses da sociedade acima de qualquer coisa. Por outro lado, uma parcela da população que acredita que nada mudará e que o Brasil continuará sendo o ‘velho Brasil’, regido pela ‘lei de Gerson’”, iniciou o encontro o presidente do IDL, Edson José Ramon. “Um ponto, no entanto, seja qual for a convicção, temos que concordar, de que algo diferente começa a acontecer em nosso país, com a responsabilização por crimes de lesa pátria, que atentam contra a sociedade”, disse.

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Para ele, é um grande alento constatar o enorme contingente de brasileiros que demonstram a ânsia de construir um Brasil melhor. “Isso é percebido cotidianamente, ao percebermos que os alicerces da nossa democracia e liberdade continuam fortes e sólidos, bem como as instituições que fazem dessa democracia algo perene e indestrutível”, encerrou, passando a palavra ao palestrante da noite.

Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná e dono de uma cadeira na Academia Paranaense de Letras Jurídicas, Dotti tem mais de dez obras publicadas e é um dos profissionais mais respeitados do segmento no Brasil. O jurista falou a um público de mais de 130 pessoas, que lotou a sala do Bourbon Hotel.

Abaixo, os principais trechos da fala de Dotti:

Corrupção na administração pública e privada

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“Vivemos um teatro do absurdo em nosso país, seja no plano político ou no institucional. O tratamento inusitado de aspectos inesperados foi historicamente objeto de grandes trabalhos intelectuais e de peças do teatro do absurdo. É evidente que no teatro o ator participa, o autor também, o diretor e o cenógrafo, porque compõe a equipe que se apresenta. Mas a figura do espectador não é do teatro, pois ele tem a capacidade e lucidez de julgar personagens. Esta é a posição que gostaríamos de assumir dentro do panorama do teatro que vivemos em nosso país. A corrupção é a deteriorização, a adulteração e depravação de hábitos e costumes”.

“Em 1994, eu prefaciei um livro de um escritor da Bahia, Sérgio Habib, e disse que ‘valia a pena destacar que o Brasil possui 500 anos de corrupção, trata-se muito mais que um levantamento histórico e sociológico, é uma praga que debilita a administração pública’. A obra mostra que podemos e devemos lutar contra a corrupção em nossas habilidades funcionais, isso há 23 anos, quando um imenso número de políticos e empresários ainda não havia ‘saído do armário’”.

“Tivemos o Mensalão, raio-x de uma tentativa de golpe de estado, um golpe premeditado e em execução que era praticado mediante a corrupção do Parlamento e dos poderes constituídos. Foi um processo interrompido, que cancelou uma sequência que iria manter o país sob o julgo do mesmo partido por varias décadas”.

“Cito também a enorme quantidade de sindicatos no Brasil: 16.491, contra 150 nos EUA. Todos estes, em função de um projeto vetado pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, continuam sem a obrigatoriedade da prestação de contas da grande quantidade de recursos que recebem da união”.

“Temos ainda a politicália, indústria de explorar benefícios em função de bens próprios. Mas há meios de combater a corrupção, como a Lei de Compliance, só que ainda há falta de maior consciência social a respeito da própria capacidade e da responsabilidade das pessoas físicas e jurídicas”.

Insegurança jurídica

“Há um visível descumprimento da Constituição por parlamentares que assumiram o compromisso de honrar as leis do país. Isso acontece quando pregam a oportunidade de eleições diretas, quando a Constituição é clara de que, vagando o cargo de presidente, nos últimos dois anos, a eleição se fará de forma indireta pelos membros do Congresso Nacional. O desrespeito, por parte dos parlamentares, é sem duvida um pouco caso para com a sociedade”.

“Algumas ações realizadas no país, no entanto, são benéficas, como o reconhecimento de aborto em casos de bebês anencéfalo. Mas há singularidades, como o caso da Vaquejada, torneio no qual vaqueiros demonstram habilidades em perseguir e derrubar novilhos, arrastando pela cauda em pista de 100 metros. O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu como forma de tortura do animal e proibiu o esporte, indo contra uma lei do Ceará, de 2013. A Câmara dos Deputados, em maio último, aprovou a proposta de emenda constitucional para legalizar a pratica da Vaquejada. Parafraseando Roberto Campos, temos uma gloriosa tradição e um futuro promissor em termos de burrice”.

Analfabetismo funcional em matéria política

“Existe um fenômeno trágico que acomete mais de 30% da população brasileira, que diz respeito às pessoas que entendem números e letras, mas não entendem o conteúdo dos documentos e textos. Isso é lamentável porque elas têm meia cultura, meia capacidade, e isso se estende à política. Qual o remédio? Primeiro é a educação, segundo a educação e terceiro, a educação”.

“Um dos males do nosso sistema político e que se espera que seja reformado é o sistema de voto proporcional e as coligações partidárias, muitas vezes promovendo um leilão da sigla e o aluguel da consciência. Atualmente, o Brasil possui 39 partidos políticos, sem contar os 61 registrados aguardando aprovação: Partido Universal do Meio Ambiente, Partido Ecológico Cristão, Partido Militar do Brasil, Partido Nacional Indígena, Partido Manancial Social, Partido Carismático Social, Partido de Organização Democrática dos Estudantes, Partido Popular da Liberdade de Expressão Afro-brasileira, Partido Nacional Corintiano. Neste contexto, há homens que são de todos partidos, contanto que lucrem alguma coisa em cada um deles”.

“A política é ciência, é arte, e precisamos ter a coragem de denunciar as mazelas da má-politica em nosso país, visto que a democracia é inevitavelmente um estado de partidos. A Lei dos Partidos, no entanto, deveria ser melhor cumprida, obrigando aos partidos a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade e defender os direitos humanos fundamentais definidos na constituição”.

“Como causas do analfabetismo funcional político podemos citar a falta de maior vivência com realidade do mundo politico, o voto proporcional, os meios de comunicação, delegando ao espetáculo a função de preencher um número imenso de interesses que deveriam ser maiores que a própria civilização e cultura. Como vou exigir do eleitor que tenha compreensão que em princípio não lhe pertence?”

Esperança no Brasil

“Me perguntam se há saída para o Brasil e eu respondo brincando com uma frase de Roberto Campos: “Sim, há três, o Aeroporto do Galeão, de Cumbica e o liberalismo, que é a síntese filosófica do Instituto Democracia e Liberdade”.

“Por que acredito no meu país? Porque creio nas manifestações populares da cidadania, nos movimentos contra a corrupção, como o Laços, o Movimento Lava Togas, o Pró-Paraná, o Acampamento Lava Jato e tantos outros, que representam um fenômeno da consciência coletiva”.

“O Brasil é exemplo para o mundo em campanhas como a que proibiu o fumo em lugares fechados, pela atuação do Procon, pela lei de obrigatoriedade do uso do cinto, as ações de proteção da mulher como a Lei Maria da Penha, as reações contra o assédio sexual, a ética na política pelo projeto de iniciativa popular Ficha Limpa, a varredura e limpeza ética nos processos da Operação Lava Jato, a crescente presença e atuação da mulher no mercado de trabalho, a atuação de órgãos e corporações para exercer legítima pressão junto à sociedade civil como a OAB, que, em 1978, conseguiu de forma lenta e gradual restituir as garantias fundamentais ao revogar o Ato Institucional (AI)-5, que estabelecia a cassação de mandatos, interdição de direitos e até mesmo o fechamento do Congresso Nacional”.

“O que quero dizer com isso? Que um movimento pequeno pode se multiplicar, plantar uma semente de mudança. Eu acredito no Brasil porque acredito que haja obrigatoriedade nos cursos de direito, administração e sociologia a disciplina de direito eleitoral; na educação da criança e do adolescente pregando o respeito à escola; na existência de entidades como o IDL promovendo diálogo constante; na boa utilização das redes sociais com temas que aprimorem a cidadania e temas políticos; em propostas como a fidelidade partidária dos eleitos; na aprovação do voto distrital misto; na adoção de inovações legais para diminuir gasto de eleição; na urgência das reformas econômicas para pavimentar o caminho da retomada das atividades, da geração de emprego e de renda para consumo”.

“Concluo citando dois pensadores que versam sobre esperança, Aristóteles e Padre Antonio Vieira: ‘A esperança é o pensamento do homem acordado’ e ‘A esperança é a mais doce companheira da alma’”.

Ao final do evento, René Ariel Dotti recebeu de Edson José Ramon (presidente do Instituto Democracia e Liberdade-IDL) e de João Elísio Ferraz de Campos (presidente do Conselho Consultivo do IDL e ex-governador do Paraná) o diploma Defensores da Liberdade.

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Por Daniela Licht

Fotos: Suellen Lima

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