29/02/2016

Boletim da Conjuntura IDL – 29 de fevereiro

 

NOTA DOS EDITORES

Notas & Análises, Boletim da Conjuntura – focado na atualidade, é elaborado pelo IDL e distribuído para membros e integrantes de entidades de perfil similar.

FRASE:

“As idéias surgidas na Europa, quando envelhecem, se mudam para a América Latina e fixam moradia no Brasil”.

                            De um chefe militar, a propósito das esquerdas do país.

 

 

TRINTA ANOS

Nota

O Plano Cruzado, primeira tentativa de controlar a inflação, completou ontem, 30 anos de lançamento. Foi no dia 28 de fevereiro de 1986 que o então presidente Sarney aplicou esse programa não convencional (em economia, heterodoxo) para tentar estancar o descontrole de uma inflação que rodava a 30% ao mês, corroendo salários, lucros empresariais e a confiança no país. Como o cerne do Plano era um congelamento de preços – combinado com uma elevação pontual dos salários e liberação do crédito -, o consumo rapidamente explodiu, as prateleiras se esvaziaram e, o governo pôs-se a lançar novos pacotes, sem sucesso.

ANÁLISE (I)

Porém, recebido sob a euforia dos ingênuos “fiscais do Sarney”, que cerravam portas de supermercados apanhados no vórtice do furacão, o Plano Cruzado permitiu pelo menos a vitória em uma eleição, no final do ano. Ela era culposamente fraudada, porque se baseava no engodo de uma estabilização que, logo após se desfez, fazendo a crise da economia se reinstalar com força, numa espiral que engoliu o governo e a biografia do então presidente – abrindo caminho para a aventura política seguinte.

ANÁLISE (II)

O Brasil só conheceu uma estabilidade de fato cinco anos depois, em 1994, com o Plano Real. Foi uma arquitetura econômica bem engenhada que, sem piruetas, assegurou o retorno à normalidade macroeconômica e, em adição, permitiu a eleição de um intelectual sem pretensão para a Presidência da República – Fernando Henrique Cardoso. Tudo operado sem messianismos típicos, nem promessas mirabolantes, mais apropriadas no reino da utopia.

BONUS DE DESEMPENHO

Nota

Jurista que colaborou em leis basilares como a das Sociedades Anônimas, o professor Modesto Carvalhosa sugere uma alternativa para limitar o “capitalismo de compadrio” que está no cerne do atual escândalo de corrupção administrativo apurado na Operação Lava-Jato: a “performance bond”. O mecanismo de licitações é o seguinte: ao contratar uma obra pública, o governo contrata juntamente com a empreiteira uma empresa seguradora. Esta fica responsável pelo acompanhamento da obra, cumprimento de qualidade e prazos, medição das etapas realizadas, etc. Com isso se bloqueia um canal de eventual conluio que enseja a corrupção.

Análise

O professor Carvalhosa defende essa solução, que vigora nos Estados Unidos há mais de um século, como antídoto para a inclinação humana de extrair favores de operadores de dinheiro público em grandes projetos de infraestrutura; e até em contratos menores quando aqueles estão em falta. Na Europa funciona um instituto similar, o auditor externo independente, porém sem o empenho que as seguradoras aplicam para ganhar seus bônus de desempenho, os “performance bonds” – cuidando que as obras sejam bem feitas, saiam no prazo e assim por diante.

SENSAÇÃO: DESCONTROLE

Nota

O “ajuste fiscal” das famílias – impotentes ante a escalada inflacionária, que chegou a 1,27% no mês de janeiro e a 10,71% em 12 meses – derrubou o comércio em 2015: as vendas do varejo simples caíram 4,3% e, no ampliado, 8,6%. No setor de móveis e eletrodomesticos foi ainda mais grave: menos 14%; pior índice em uma década. A queda do PIB para o ano passado será anunciada quinta-feira, mas a equipe econômica do Banco Itaú já adverte: a recessão de 2016 pode ser pior do que a de 2015, com o setor interno caindo com uma sensação de até 5,3% – a pior desde 2003.

Nota (II)

Outra instituição financeira, o Credit Suisse, com um histórico de estudos sobre países que viveram recessões prolongadas, divulgou que o Brasil pode ter recessão de três anos, um dano nunca visto desde que medições macroeconômicas começaram a ser feitas, em 1901. Outros “experts” vão na mesma direção: o Produto Interno Bruto caiu no período da I Guerra Mundial de 1914 a 18, no colapso da Bolsa de Nova York (1930/31), no início da II Guerra (1940/42), nas décadas de 1960 e 80, etc; porém nunca com a sequência atual (de 2014, 15 e 16). Em paralelo, 100 mil empregos evaporaram no mês de janeiro e, em 12 meses, houve perda de 1,6 milhão de postos de trabalho, com a taxa de desemprego se aproximando de 10%.

Análise

Com a turbulência apontada pelos números, agentes – públicos e privados -, vão tomando o controle dos acontecimentos: no setor de combustíveis as distribuidoras, deslembradas da queda dos preços internacionais, aumentam o preço da gasolina e do etanol; a Petrobrás esfola o consumidor no preço do diesel e; no varejo, quem pode, remarca suas tabelas. Na área pública, os advogados da União ganharam uma verba adicional a titulo de honorários por atuarem nas causas federais, com seu chefe, o Sr. Luiz Inácio Adams, admitindo que esse benefício extra “acabou virando uma demanda da carreira” a que o governo não pôde resistir. Em paralelo os planos de corte de gastos viram fumaça, da mesma névoa de reformas que não avançam…

SEM OS GRAUS

Nota

Para coroar esse cenário de pragas bíblicas (passando por alto a epidemia de dengue, zika e chikungunya), o Brasil perdeu de vez o grau de investimento nas três principais agências classificadoras internacionais: seguindo a S&P, a Moody’s cortou a nota de risco do país em dois graus (para o nível Ba2, que significa crédito especulativo a nível mundial). A agência justificou com as contas públicas no vermelho, juros que tomam mais de 20% das receitas, dívida pública sob risco de subir para 80% ou mais (destoando do grupo de países emergentes), além da incapacidade política do governo para implantar o ajuste (corte de despesas para enxugamento da máquina pública e reformas prometidas).

Análise

Tentando ignorar a gravidade dessa questão o Departamento Econômico do Banco Central divulgou nota avaliando que o rebaixamento pouco afeta o crédito para empresas e famílias. Trata-se de “dialogo plácido para atormentar bovinos”, no ditado pop: no mesmo dia a CNI informou que a indústria gira com 38% de capacidade ociosa (o que eleva custos); os juros do cartão subiram para 439,5% ao ano; estados fortes como Rio, Minas e Rio Grande do Sul cortam vencimentos do funcionalismo e o Ministério do Trabalho atrasa as compensações para firmas que firmaram acordos de manutenção  do quadro de empregados – entre outras mazelas.

SOBRE O VULCÃO

Nota

O governo da presidente Dilma está assentado sobre um vulcão, escreveu colunista de destacado jornal; cenário que remete à busca de uma solução política. Para o ex-ministro Delfim Neto, mesmo esse arranjo ficou difícil, porque o atual governo “tem dentro de si uma contradição insanável: um corporativismo fantasiado de esquerda, quer apenas defende as vantagens que extraiu da maioria despercebida”.  Isso expõe porque – além do jovem e pouco preparado senador Lindbergh (aquele do “petróleo é nosso”) – um ministro de Dilma, o sr. Miguel Rossetto, se coloca contra o projeto de idade mínima para aposentadoria, ao lado das centrais sindicais “chapa branca”, como a CUT. O senador Cristovam Buarque explica que entre nós “a consolidação do poder sindical levou à aristocratização do proletariado”, dentro do fenômeno mais amplo de “desconstrução da esquerda”. Tais figurões não estão preocupados com os 10 milhões de desempregados: o  interesse é pelas benesses que usufruem via corporativismo do poder.

Análise

Esse quadro de “venezuelização” acelerada, mais o avanço da Operação Lava-Jato levou setores do PMDB a voltarem a considerar o “impeachment” da presidente como fórmula para abreviar o impasse e traçar novo rumo para o país. Ao seu lado estão partidos de oposição, que se coordenaram para apoiar as manifestações previstas para 13 de março. Segundo o deputado peemedebista Osmar Serraglio, se as ruas mostrarem alto grau de mobilização a classe política irá apressar a solução do impedimento, superando a rigidez imposta pelo Supremo à sua tramitação. É que, com elevado instinto de sobrevivência, os políticos sabem que em certas circunstâncias, é melhor entregar os anéis do que perder os dedos.

CURTAS

Venezuela em crise aguda com o risco de calote na dívida externa, teve que cortar os escassos dólares (no câmbio negro, um dólar vale 1.029 bolívares) para compra de alimentos. De supermercados a hospitais, falta de tudo no país do “socialismo do século 21” – onde, por acaso, João Santana também fez campanha para reeleger o comandante Hugo Chávez.

Tesouro brasileiro apresentou superávit em janeiro, o melhor resultado da série histórica iniciada em 1997. A “construção” da mágica, segundo um jornal, foi possível pelo recebimento de R$ 11 bilhões pagos pelos vencedores do leilão das hidrelétricas, ano passado. Traduzindo, esse dinheiro vem da venda de outorgas de usinas já amortizadas e retomadas pelo governo, sob argumento de que os contratos de concessão venceram. Com isso, os consumidores vão pagar mais pela energia de fontes naturais, cujas obras foram feitas há mais de 30 anos – inclusive a Usina Parigot de Souza, na Serra do Mar. Pouca coisa: de 11 para 100 reais a mais por quilovate – explica um professor da área.

         Redação: Mateus Bacila e Gersoni Neto

         Colaborou: Rafael de Lala

 

 

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