Notas & Análises – Boletim da Conjuntura
IDL divulga a edição desta segunda-feira (15) do boletim Notas & Análises, redigido por Matheus Bacila, com a colaboração de Rafael de Lala.
FRASE:
“Prudente, cansado de reagir sozinho contra uma política que começava a degenerar (…) voltou para Piracicaba e aí fundou um partido dissidente, batendo-se pela revisão constitucional (…) para, quando mais não fosse (…) dizer às gerações futuras que ele, até à última hora, soube cumprir o seu verdadeiro dever de republicano e de brasileiro”.
Gastão Pereira da Silva, “Prudente de Moraes – o pacificador”, Zélio Valverde – editor, RJ. s/d.
REFORMAR A REPÚBLICA
NOTA
Em vez de afinidades partidárias as coalizões políticas passaram a ser definidas a partir do pagamento de somas desviadas da sociedade – “uma grave afronta à ordem constitucional e republicana”. A afirmação é do procurador geral Rodrigo Janot, em manifestação perante o Supremo Tribunal Federal, que interessa “à sociedade brasileira”, porque “o uso de apoio político deixou de ser empenhado em razão de propostas ou programas de partido”, passando (tais procedimentos) a compor “crimes sem precedentes na história do país”.
O procurador geral da Justiça respaldou assim, as medidas adotadas no âmbito da Operação Lava Jato, que além de alcançar governantes no mais alto nível, envolvem investigação de 14 senadores e 24 deputados federais de vários partidos.
REFORMAR A REPÚBLICA (II)
Após o despacho de Janot perante o Supremo – arrolando o ex-ministro Antonio Palocci, que teria se valido daquele expediente de sacar recursos “de pessoa jurídica que gozava de sólida reputação” para compor coalizões eleitorais – surgiu denuncia de revista de circulação nacional: Medidas Provisórias foram editadas com base em pagamento de propinas para figurantes de altos cargos e, por isso, não passaram pelo crivo técnico da Casa Civil da Presidência da República. Os elementos, extraídos de outra operação federal – a Zelotes, contêm depoimento de um ex-subchefe daquele órgão ministerial, indicando o desvirtuamento das MPs para beneficiar segmentos econômicos, ao custo de bilhões para os cofres públicos.
ANÁLISE
São duas situações insólitas que atestam a urgência de reformar as instituições da República, as quais, incompletas desde sua fundação em 1889 (Constituição de 1891), foram sendo pioradas a cada mudança política: ciclo autoritário de 1930/45 (com a introdução do voto proporcional), Constituições de 1946 e 1988, etc). A última Carta, elaborada de forma desavisada por representantes empenhados em acertar contas com a “ditadura”, resultou num monstrengo político-jurídico que, além de manter o voto proporcional para escolha de deputados, ainda transformou os partidos – classicamente agentes de expressão da vontade política da sociedade e, como tais, instrumentos de formação do poder – em entes privados regidos pela mesma lei que licencia botequins de esquina.
ANÁLISE (II)
Mais, a República brasileira, como formulada desde seu início, reduziu mecanismos mais refinados que vigoravam durante o Império, organizando o poder de forma rústica e sujeita a impasses periódicos. Em 1988 os constituintes, ocupados com a revanche contra o regime militar, mantiveram expedientes típicos daquela era de exceção (então, Atos Complementares e decretos-lei), como Medidas Provisórias, institutos próprios do sistema parlamentarista italiano, porém alheios ao modelo presidencialista do Brasil.
Resultado: a banalização de MPs com força de lei, que – revela-se agora – prestaram-se a disfunções (corrupção) comprometedoras da idoneidade esperada dos altos poderes de uma nação civilizada. A frase de abertura assinala bem essa deficiência: Prudente de Moraes, o terceiro presidente republicano, ao terminar o mandato, apenas dez anos após a Proclamação, em 1899, já questionava os rumos tomados pela nova ordem política.
JOGANDO PRA FRENTE
Nota
Consolidou-se neste início de fevereiro a mudança de diretriz na condução da economia brasileira: seguindo orientação de sua presidente, a equipe governamental reunida em uma tal Junta Orçamentária (Ministérios da Fazenda, Planejamento e Casa Civil) decidiu propor uma meta fiscal em banda, isto é flutuante entre 0,5% e menos 1% do PIB, para 2016. O ministro Nelson Barbosa vinha adiantando há dias essa nova “estratégia fiscal”, afinal anunciada no mesmo fim de semana em que o governo lançou sua “ofensiva midiática” para combater o mosquito causador da dengue e outras moléstias graves.
Análise
Estratégia de alto risco, que desemboca num labirinto fiscal – reclamou a colunista Miriam Leitão. Para ela “trata-se de uma forma de dizer que o Brasil terá deficit primário pelo terceiro ano seguido”. O também colunista Renato Andrade vê sob reservas essa “criatividade federal”. Do empresariado, um porta-voz qualificado, Pedro Luiz Passos – ex-presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial -, registra que “o momento de propor banda de variação para meta fiscal” revela “incapacidade do governo para formar superávit nas contas públicas”. “Confiança não se arrisca”, arremata.
FICA PARA DEPOIS
Nota
Como desdobramento, alegando falta de consenso, o governo anunciou um pequeno ajuste setorial e adiou que o corte de despesas (necessário para cumprir a meta do Orçamento aprovado no Congresso) para o fim de março. A previsão legal seria de um corte entre 30 e 50 bilhões, variando conforme o comportamento da receita federal, mas o pequeno ajuste anunciado se limita a bloquear repasses aos Ministérios enquanto não é fechado o relatório sobre o desempenho das contas no primeiro trimestre. O assunto se relaciona com a prometida reforma fiscal, que incluiria a hipotética volta do imposto do cheque, a CPMF; o que foi descartado pelo relator da matéria no Senado, Romero Jucá.
Análise
O adiamento da decisão sobre os cortes de gastos levou vários analistas a considerarem que o governo mostra menor preocupação fiscal, a perpetuar o cenário de incertezas. Miriam Leitão adverte que “o mais perigoso é a falta de noção de urgência no governo, diante de uma crise de grande proporção”. Esse padrão de irresolução é característico da atual governante: promete um ajuste fundamental para equilibrar receita e despesa, mas, além dos programas sociais tidos como sagrados, hesita em sacrificar projetos excedentários – muitos deles supérfluos – repetindo um viés ideológico sem lugar no mundo atual.
Em paralelo, as reformas modernizadoras empacam: os jornais noticiam que a presidente desistiu de fazer a reforma trabalhista (prometida, na posse, pelo ministro Barbosa) porque “com o desemprego, não é hora de mexer em direitos dos trabalhadores”. E a reforma da previdência encontra resistências nos sindicalistas e em um próprio ministro da equipe – o sr. Rossetto, do Trabalho e Previdência.
O Brasil, colhido no contrapé da ressaca global, encontrará dificuldades para sair da crise dupla em que está mergulhado, tornando limitadas as alternativas para o governo em função – já de si, como vimos, carente de boas soluções.
O MUNDO GIRA
Nota
Enquanto o governo se perde no atoleiro de sua indecisão, o povo vai enfrentando as conseqüências desse descompasso entre o país oficial e o país real: os juros para a pessoa física subiram pelo 16º mês, chegando a 410,97% no cartão de crédito e a 7,67%/mês nos empréstimos bancários para a pessoa física. Um colunista de jornal semanário do interior paranaense registrou: 600 mil micro-empresas fechadas em 24 meses, das quais 100 mil lojas de portas cerradas no ano passado; caderno escolar com carga tributária de 43% e até o feijão, pagando 30% de imposto. E o desemprego chegando a 10% no ano.
Análise
Por essas e outras razões o Brasil vai se atrasando mesmo em relação aos países emergentes mais dinâmicos: segundo o FMI o hiato continuará a se alargar ante a média dos pares do país, com nossa renda per capita caindo de 16,2 mil para 15,7 mil dólares/ano entre 2014 e 2015. Na tabela ajustada pela paridade até 2020 ficaremos com apenas 80% da média dos emergentes – pior medida desde 1980. Como arremate, um PHD em Ciência Política teoriza o óbvio: o povo surra nas urnas os governos que tiram dinheiro do seu bolso.
CURTAS
– Venezuela no pantanal democrático: a Justiça local, fidelizada ao bloco chavista ainda no poder executivo, “tratorou” a Assembléia Nacional recentemente eleita pela maioria do povo: resgatou a validade do decreto bolivariano de intervenção econômica do presidente Maduro. Alegação: “A Casa não tem poder para afetar a eficácia jurídica do decreto presidencial”. Faz-se hora de botar essa gente fora do pretensamente democrático Mercosul – como querem Argentina e Paraguai e hesita, mais uma vez, a atual governante do Brasil.
– Do nosso terra-a-terra: está sendo derrubada a esdrúxula tentativa da Receita Federal de impor obrigações fiscais sem fundamental legal, com a tal Instrução nº 1.571. Em Rondônia uma liminar suspendeu a exigência e a Ordem dos Advogados anuncia que pleiteará decisão geral do Supremo contra o “Grande Irmão” em que se converteu o controverso leviatã estatal.
– O governo promoveu ofensiva midiática no fim de semana: mobilizou seus hierarcas e as forças armadas para uma ação contra o mosquito “aedes”, vetor da dengue, zika e outras doenças graves. Tentando se justificar, a presidente verbalizou que, agora sim, corrigia o descuido dos governos em saneamento básico; como se o seu grupamento não estivesse no poder a década e meia. Política à parte, contra o perigoso mosquito cabe a vigilância de todos nós.