A euforia, no entanto, não é integralmente compartilhada pelo setor produtivo, até porque o mercado de capitais reflete as perspectivas do “grupo de elite”, e não da totalidade das empresas. Apesar da melhora nos indicadores, a confiança dos empresários continua abaixo da linha d’água de 100 pontos, indicando pessimismo de uns tantos. Muitas empresas enfrentam dificuldades financeiras e de acesso ao crédito.
No varejo, as vendas estão próximas dos patamares pré-crise, enquanto a produção da indústria está 15% abaixo. O primeiro se beneficia da volta do crédito ao consumidor, enquanto o segundo sofre com a baixa competitividade em relação aos importados.
O sensível aumento do consumo não é para todos. Os desocupados e desalentados, que totalizam mais de 17 milhões de pessoas, não foram chamados à festa e alimentam a desigualdade, que sobe desde 2015.
A inflação seguiu baixa, a exemplo dos últimos anos, mas o custo da cesta básica (entre R$ 325 e R$ 474 em outubro) é elevado, empurrando muitos para baixo da linha de pobreza. Em 2018, eram 13,5 milhões vivendo na miséria (renda mensal per capita abaixo de R$ 145 ou US$ 1,90 por dia no critério de paridade do poder de compra), o que significa 6,5% da população; um salto em relação aos 4,5% de 2014.
Esse quadro explica a divisão do País quando o assunto é a aprovação do governo. Bolsonaro tem apoio das classes mais privilegiadas, enquanto as mais populares desaprovam sua gestão.
O crescimento econômico mais robusto contratado para 2020 talvez ajude a reduzir essas dicotomias presentes entre setores e entre indivíduos. A conferir. E o ritmo poderá ser muito lento tendo em vista o retrocesso nos indicadores sociais nos últimos anos.
Segmentos da economia pouco produtivos não irão se beneficiar satisfatoriamente do melhor momento econômico, reforçando o quadro de lenta recuperação do mercado de trabalho. Além disso, a crise prolongada causou deterioração da qualidade da mão de obra, reduzindo a empregabilidade de muitos.
É preciso trabalho para que 2020 não seja uma brisa, mas sim o início de um futuro mais próspero e justo.
O ano de 2019 foi de importantes avanços, mas também de oportunidades perdidas. Em que pese a aprovação de uma potente reforma da Previdência e a gestão responsável das contas públicas, confirmou-se o temido cenário de uma fraca agenda de reformas no segundo semestre.
O governo encaminhou tardiamente ao Congresso novas medidas de ajuste fiscal. Há várias matérias tramitando, mas falta estratégia política, definindo prioridades e fazendo a lição de casa na articulação. Governar não é só enviar matérias ao Legislativo.
Assistimos à venda de ativos pelas estatais, mas não à privatização das empresas. A capitalização da Eletrobras, que deveria ser prioridade do governo, patina.
O marco legal de telecomunicações foi aprovado, mas ainda se aguarda o do saneamento, que ficou para 2020. Faltou empenho do governo.
Na infraestrutura, foram realizados 27 leilões de concessão, mas a lei das concessões e parcerias público-privadas sofreu ataques de segmentos do próprio governo e ficou para 2020.
Enquanto isso, nada se avançou na reforma tributária, apesar da grande disposição de lideranças na Câmara. Foi também um ano praticamente perdido na abertura da economia e na educação.
Que em 2020 sejamos mais ambiciosos e consigamos diminuir a dicotomia. Estamos todos no mesmo barco.
Fonte: Artigo replicado do Estadão
A autora é economista-chefe da XP Investimentos