Ministro Luiz Edson Fachin falou com exclusividade aos associados do IDL
Na última semana (terça-feira / 12 de julho), associados do Instituto Democracia e Liberdade tiveram a oportunidade de participar da palestra com o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Edson Fachin. Em uma conversa informal realizada no Graciosa Country Club, Fachin – anfitrionado pelo presidente do IDL, Edson José Ramon – falou por cerca de uma hora sobre a importância da democracia e da liberdade, sua atuação no STF, o olhar sobre o Brasil e algumas reflexões sobre a sociedade civil brasileira contemporânea, bem como os principais desafios a serem enfrentados nos próximos anos.
Introdução
“Acredito que recebemos algumas heranças do século XX, entre elas algumas bastante coerentes com alguns dos objetivos deste Instituto. A primeira seria o constitucionalismo liberal, o fato da Constituição ter adquirido depois da Segunda Guerra Mundial um lugar central na regulação da vida das pessoas, fazer parte de nosso cotidiano, o pão nosso de cada dia. Esta Constituição que valoriza a presença da sociedade na ótica da democracia e da liberdade, a dedicação de todos ao sentido da democracia. Isso quer dizer que, independente da ocupação, da atividade, rejeitamos qualquer nuance que vá contra os ditames básicos da democracia e mostra que a conquista da ideia democrática é pertencente ao DNA da sociedade.
Ainda que tenhamos alguns problemas do ponto de vista econômico, como a estagnação, o baixo crescimento, crises sociais, conflitos raciais e religiosos e também um certo grau que no plano da intolerância acaba de algum modo se fazendo presente nas relações sociais, este não é um século imune a um conjunto de problemas que herdamos, mas que somos chamados a refletir.
Neste balanço, digo que na minha percepção, o século XX trouxe a conquista da livre circulação das ideias. Passou a ser impraticável qualquer forma de cerceamento dos pontos de vistas e isso se deve e muito às redes sociais, criando uma espécie de era digital, de uma Ágora Ateniense. Vemos as opiniões de todos os segmentos, o que é inerente à uma democracia plena”.
Atuação no Supremo Tribunal Federal
“Deixei com o presidente Ramon um conjunto de dados e tabelas para compartilhar com os demais, que dizem respeito à minha atuação, do meu gabinete e de todo STF neste primeiro semestre.
Como todos sabem, tomei posse em 16 de junho de 2015, após uma longa sabatina. Passada esta etapa, um ano após minha posse, totalizamos cerca de 10 mil processos. Meu gabinete recebe em média 31 novos processos por dia, sendo que a média atual é de 55. Isso me levou a, neste ano, proferir em média diariamente 41 decisões.
Estes dados revelam uma produção que parece interessante, mas representa uma disfuncionalidade. Significa que proferi durante um ano 10.139 decisões, entre despachos e decisões colegiadas. Esta disfuncionalidade evidenciada pelos dados surge devido ao direito de recorrer, o que acaba prolongando demasiadamente os processos. Creio que algumas mudanças dependem de atitudes, outras de alterações regimentais. Precisamos distinguir o direto a recorrer do direito a recorrer ad eternum.
Não há como avançar sem uma alteração regimental, para que o STF não passe o tempo todo repetindo decisões. Neste primeiro semestre, os 11 ministros do STF receberam 45 mil novos processos e não há corte que funcione adequadamente desta forma. Cada um de nós recebe processos de todas as matérias de todas as áreas do Direito. E isso é incompatível com o sentido e funcionamento de uma corte.
De cada 100 processos, cerca de 80% não são da competência originária do Supremo. O Supremo não pode continuar a ser a quarta instância de todos os tribunais sob o risco de deixar a desejar. Nessa perspectiva, creio que ainda há muito a se fazer, implicando em mudanças regimentais, de comportamento, legislativas, entre outros”.
Considerações a respeito do Estado brasileiro
“Não tenho dúvidas de que temos uma missão importante para realizar em nosso país. Trata-se de um Estado que apresenta um conjunto de problemas cruciais, mas é deste país e deste Estado que somos chamados a nos pronunciar.
Destaco três circunstâncias com as quais temos que lidar e que chamam a todos os cidadãos:
A centralização efetiva do Estado – o presidente da República é hoje uma espécie de prefeito de 6 mil distritos. Não podemos ter esta centralização excessiva, é mais do que preciso valorizar os entes municipais. É nesta dimensão que acredito que a sociedade se empodera daquilo que é seu, que é o poder de delimitar o poder e o limite do Estado.
A perda do tônus legislativo – temos um elevado grau de desconfiança e precisamos de novas leis, de novas práticas e de novos comportamentos. A inércia que vemos hoje apenas aumenta com o que designamos como perda de tônus. Precisamos preservar as instituições, pois isso significa preservar o sentido da democracia. É por isso que defendo o recall e a perda de mandato em função da troca de partido.
A diluição do sentido da autoridade da própria ordem jurídica – essa reflexão há de ser genuína e sincera. Quem almeja respeito, deve começar respeitando-se. Não podemos aumentar a densidade de desconfiança da população. É preciso uma consciência do magistrado que não podemos apreciar temas segundo nossas convicções ou valores pessoais. Precisamos apreciá-los segundo a ideia da Constituição, da ordem jurídica”.
Sociedade civil brasileira contemporânea
“Estou entre aqueles que entendem que nós somos maiores que a crise que estamos a vivenciar. Penso que não podemos jogar a toalha. Em nossos afazeres cotidianos, quaisquer que sejam, vivemos sim uma crise ética, mas que instalou também um conjunto de interrogações positivas.
É do agravamento que pode resultar uma solução sadia. Acredito que os momentos decisivos servem para renascermos, e é nessa medida que vejo aspectos positivos.
No Brasil de hoje vivemos sim uma crise política e ética, mas não vivemos uma crise institucional. Neste sentido, as Forças Armadas têm tido um papel essencial de serem estabilizadoras, resistido às tentações que acabam sendo assoadas a ter.
Vemos uma estabilidade constitucional do poder civil, na forma de instituições que estão a funcionar, instituições do Estado e também outras como o próprio IDL.
Este é um momento importante da sociedade que se mobiliza, aqui mesmo vemos pessoas presentes por interesses que não são os próprios, este é um tempo imaterial que doamos porque queremos que o Brasil seja motivo de orgulho para nós e para as futuras gerações.
Estamos cada vez mais a valorizar o bem, as pessoas de bem, rejeitar quem confunde perspicácia com esperteza, quem ludibria o outro. Fazer um país melhor significa este grau de dedicação e abdicação, e de algum modo, a lançar-me nesta empreitada que conjugou em um conjunto de circunstâncias, e sou muito grato ao Estado do PR, e tenho dito que espero não frustrá-los.
Entendo que a sociedade tem o direito de ter o conforto material derivado do seu trabalho, do seu empreendimento, das atividades que realiza na sociedade aberta, do seu empreendedorismo e talento.
Precisamos pensar o país além de nossos interesses individuais, e estou convencido que a sociedade se preocupa cada vez mais com isso.
Concluo dizendo que nenhum de nós desconhece que vivemos um momento de justa indignação, de alto grau de ceticismo e não acho que devamos encontrar bulas fáceis. No entanto, é preciso ter força e estou ciente de que superaremos isso.
Vivemos um presente tão intenso que é como se não existisse o dia de amanhã e o passado não importasse. Esta crise mostra que é preciso ter firmeza nas instituições para que possamos superar estes desafios. Por fim, tenho três ordens de fé que animam a minha atividade: fé na transformação humana, fé na obra divina e fé no comportamento – visto que uma ação vale mais que mil palavras”.
Fotos: Francisco Martins/Temaphoto