35 Anos de inconstitucionalidades (Por Nilso Sguarezi)
“O tempo não para o tempo voa, o tempo perdido não volta e o passado não perdoa”. Galileu Galilei (1562/1642), matemático que inventou a luneta esclareceu; “A VERDADE É FILHA DO TEMPO E NÃO DA AUTORIDADE”.
Nestes últimos 35 anos, forçosamente tenho que lembrar das discussões da Constituinte de 1987/88, quando no Congresso Nacional, como Deputado Federal pelo Paraná, participei da feitura da atual Constituição. Ao decepcionar-me com a rejeição do Parlamentarismo – amplamente aprovado na comissão temática – deixei gravado nos anais da Constituinte, meu voto contra a decisão do plenário que optou pelo superado e anacrônico sistema presidencialista de coalisão e do voto proporcional, causas que mantem o toma lá dá cá, e, como disse Rui Barbosa, transforma o Legislativo numa “praça de negócios”. Por não acreditar no sistema, desisti da política para voltar à minha advocacia. Mais que nunca me convenço que Galileu estava certo de que a verdade é o resultado do tempo. Foi neste tempo de vida que vi em 1954 Getúlio Vargas se suicidar pelo “mar de lama que percebeu existir no governo”; Li na renúncia de Jânio Quadros, em 1961, ter sido “vencido pela corrupção, pela mentira e covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos”. Vi o golpe militar de 1964 derrubar Jango Goulart e na sequência a eleição indireta de cinco generais, usurpando o poder soberano do povo que é o voto direto e secreto.
Agora, como simples eleitor, comprovei o erro do presidencialismo de coalizão que já cassou dois, Collor e Dilma, dos últimos cinco presidentes. Enquanto FHC, Lula e Bolsonaro, tiveram que n e g o c i a r para também não serem troféus do centrão.
Mas pior que isso, vejo a absoluta maioria dos brasileiros dizerem antes das eleições presidências, “é preciso votar no menos ruim”, mostrando assim que o sistema não funciona porque nem consegue apresentar bons candidatos.
“Rir é correr risco de parecer tolo.
Chorar é correr o risco de parecer sentimental.
Estender a mão é correr o risco de se envolver.
Expor seus sentimentos é correr o risco
de mostrar seu verdadeiro eu.
Defender seus sonhos e ideias diante da multidão
é correr o risco de perder as pessoas.
Amar é correr o risco de não ser correspondido.
Viver é correr o risco de morrer.
Confiar é correr o risco de se decepcionar.
Tentar é correr o risco de fracassar.
Mas os riscos devem ser corridos,
porque o maior perigo é não arriscar nada.
Há pessoas que não correm nenhum risco,
não fazem nada, não têm nada e não são nada.
Elas podem até evitar sofrimentos e desilusões,
mas elas não conseguem nada, não sentem nada,
não mudam, não crescem, não amam, não vivem.
Acorrentadas por suas atitudes, elas viram
escravas, privam-se de sua liberdade.
Somente a pessoa que corre riscos é livre!”
Seneca contemporâneo de Jesus Cristo foi quem nos deixou este poema. A vida não está no imutável passado, mas no presente, único pedaço de tempo que precisamos tentar e moldar o futuro, mesmo com o risco de fracassarmos. Restar inertes nunca.
Sai da política partidária (existem partidos políticos no Brasil?), mas como cidadão continuei e continuarei a defender uma CONSTITUINTE EXCLUSIVA porque resta-me a esperança de que por mais incompetentes que sejam estes governos, assim mesmo não conseguirão quebrar esta pujança Brasil.
Claro que houve acertos na atual carta que Ulisses Guimarães chamou de Constituição Cidadã. Mesmo que não estejam sendo respeitados, foram declarados os direitos fundamentais, nos primeiros 16 artigos e que até podem balizar uma nova ordem constitucional. Mas não basta apenas declarar direitos numa constituição. Elas surgiram nas nações para fundamentalmente estabelecerem limites no poder dos governantes. Tais deveres e obrigações, devem ser claros e bem enumerados, como instrumentos de controle direto do povo, visando impedir o arbítrio, a prepotência e a tirania dos que se passam por defensores da democracia.
Fundamental recordar que depois de 20 anos (1964/1985), os militares negociaram a sua saída do poder, pelo “lento e gradual” quando sentiram que já não tinham meios e respostas para enfrentar a crise da economia brasileira. A imensa dívida externa e inflação galopante foi que derrubou o militarismo.
De lá para cá, apenas trocamos o endividamento externo pelo interno para continuar tendo que arrecadar cada vez mais para pagar os juros da dívida e continuar vendo a pobreza não ser extinta, mas o tamanho da máquina pública e gastança crescer.
Naquela época tínhamos menos de cem milhões de habitantes, vale dizer, a maioria dos atuais eleitores não viveu e não conheceu a realidade daquele tempo e, muito menos, como se operou a transição para a saída pacífica dos militares do poder político.
A verdade nua e crua é que muita gente as velhas raposas que bajulavam os militares, se juntaram para manipular a transição afim de manterem seus privilégios e interesses pessoais. Criaram o tal “centrão” para continuarem manipulando o poder através dos negócios do estado. Que o diga o Bolsonaro e, agora, novamente o próprio Lula pressionado a ceder parte dos seus 38 ministérios.
Retalharam mais de 130 emendas constitucionais, transformando a Lei Maior, numa “colcha de retalhos” e farão tantas quantas forem necessárias para manterem-se no poder, usando a demagogia e populismo dos “salvadores da pátria” com a praga da corrupção para enriquecimento ilícito.
“A constituição de 1988, apesar de ter garantido as liberdades públicas, carece dos predicados mínimos para ser considerada realmente democrática. Isso porque, em primeiro lugar, o regime de representação é falso em razão do voto proporcional e não distrital. A segunda razão é que todo o poder emana dos partidos políticos, e não do povo. Trata-se da ditadura dos partidos. O terceiro motivo é a estrutura de privilégios que, por isso, não reconhece o princípio fundamental da isonomia. A República impõe o regime de igualdade de direitos e deveres. E, para tanto, as leis devem ser, necessariamente, a expressão da vontade do povo. O regime democrático deve assegurar a igualdade da lei perante todas as pessoas, físicas e jurídicas. Sem a lei justa, quanto aos seus efeitos rigorosamente isonômicos e equitativos, não há possibilidade do exercício efetivo dos direitos individuais e coletivos que a própria Constituição de 1988 proclama. A primeira falácia está na declaração de que todos são iguais perante a lei. Nada mais falso do que este clássico princípio constitucional quando a lei discrimina os indivíduos e os grupos, sobretudo para privilegiar pessoas, castas, corporações e segmentos, dos setores público e privado.” (Modesto Carvalhosa – Uma nova constituição para o Brasil, DE UM PAÍS DE PRIVILÉGIOS PARA UMA NAÇÃO DE OPORTUNIDADES, pag.125, LVM EDITORA, 2021).
Ora quando os partidos emendam a constituição, como agora estão pretendendo esta anistia para safarem-se das ilegalidades cometidas contra a participação das mulheres e minorias raciais, que eles mesmos cometeram com os exorbitantes gastos da imoralidade dos bilhões dos fundos partidários e eleitorais, verdadeira caixa preta desta casta que não se submetem às leis deixam bem claro que não se importam em mandarem pro quinto dos infernos a igualdade de todos perante a lei.
Quando os governantes não obedecem a Constituição que prescreve: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” são eles que provocam a insegurança jurídica pela desarmonia reinante. Mas sempre se entendem para exigir mais arrecadação dos governados afim de refestelarem-se com seus privilégios e mordomias ao usarem os aviões da FAB para turismo ou nas ostentações de suas badaladas festas ou ainda quando se hospedam com suas comitivas nababescas em hotéis de luxo no exterior.
Nesta quebra de braços entre os poderes da república para ver quem de fato manda, cada vez mais estarrece a população cansada de saber que “em casa que todo mundo manda, ninguém obedece”. São os fatos e o tempo que comprovam esta desarmonia, briga de vaidades, empáfia e arrogância, como agora, depois de tanto tempo o judiciário dizer que não existiu o tal MARCO TEMPORAL das reservas indígenas, apesar de claramente fixado no Capítulo VIII da CF, ou seja, agora mais uma letra morta.
Foi a gritaria e inconformismo dos milhões de prejudicados, que despertou a sonolência e letargia do legislativo para reafirmar sua existência. Tudo isso tem gerado uma insegurança jurídica nunca vista e que está produzindo consequências incalculáveis sobre o futuro patrimonial de milhares de pessoas, quiçá de milhões que se sentem ameaçados de terem que abandonar a produção rural daquelas mesmas terras que receberam dos pais, dos avos, das bisavós e de tantas de suas gerações anteriores.
Nossos indígenas eram tribos nômades e errantes. Os únicos vestígios deixados de suas andanças, foram edificações dos padres jesuítas para catequizarem-nos no Sul e até estenderem nossas fronteiras na disputa com os espanhóis.
Ruínas da Igreja de São Miguel, de 1687. Arquitetura dos jesuítas e construção dos guaranis. São um patrimônio histórico e cultural da humanidade, tombado pela Unesco. (https://www.brasil-turismo.com/rio-grande-sul/missoes/missoes.htm)
Diferente dos incas do Peru e astecas do Mexico que deixaram nas suas milenares obras arquitetônicos as provas incontestes da ocupação e posse das suas terras.
Justifica-se a reação do Senado pelas constantes l_i_m_i_n_a_r_e_s do judiciário, que abruptamente suspendem decisões dos outros poderes, até porque elas incentivam e estimulam a primeira instancia a trilhar este danoso procedimento que também coloca governadores, prefeitos, legislativos estaduais e municipais e iniciativa privada de sobressalto pelas inusitadas liminares como recentemente aqui no Paraná, por exemplo, juízes de primeira instancia, liminarmente suspenderam leilões públicos da Bolsa de Valores de SP, na concorrência pela privatização de rodovias estaduais e federais, ou em corretas licitações para construções de pontes e obras aguardadas a décadas como a da Bahia de Guaratuba.
Até a fria matemática parece dizer que nosso poder judiciário está numa encruzilhada difícil de se explicar. Milhares de presos soltos pelo CNJ (muitos já condenados que nas ruas voltam a delinquir), enquanto a população se interroga se isso tem por objetivo abrir vagas nos presídios, para serem trancafiados com elevadíssimas penas, os incautos participantes dos atos do fatídico oito de janeiro, muitos dos quais, de forma ainda nebulosa como se viu na CPI, terem sido ingenuamente envolvidos por baderneiros. https://www.gazetadopovo.com.br/republica/cnj-soltou-21-mil-presos-em-2023-e-decisao-do-stf-pode-ampliar-mutirao-de-desencarceramento/)
Aliás, é o maior número de acusados da história penal deste país num só processo e com tempo recorde de rapidez de julgamento e o mais inusitado. Contra todos os princípios dos códigos processuais e penais, as próprias vítimas tomam o lugar da acusação, fazem a investigação, a instrução e o julgamento, até mesmo impedem os advogados de comparecer no tribunal para defenderem seus clientes. Complicação ainda maior se tudo isso, como propalam os que se sentem injustiçados, for levado ao Tribunal Internacional de Haia.
Presidente do STF, no seu recente discurso de posse, disse que é preciso seguir em frente: “A história é uma marcha contínua na direção do bem, da justiça e do avanço civilizatório. Basta olhar através dos tempos: viemos de épocas de sacrifícios humanos, despotismos cruéis, inquisições e holocaustos até a era dos direitos humanos. Ainda não plenamente concretizados, mas vitoriosos na maior parte dos corações e mentes. É certo que a história não é linear, mas feita de avanços e retrocessos. Porém, mesmo quando não se consegue ver da superfície, ela continua fluindo como um rio subterrâneo na direção que tem de seguir. Essa a minha fé racional, a minha crença mais profunda”
Com toda a vênia e respeito ouso discordar do Nobre Ministro, que a Justiça seja um rio subterrâneo que não se possa ver da superfície ou quando ela arbitrariamente impede as forças públicas de segurança tentarem conter as enxurradas da violência do crime organizado e tráfico que ostensivamente desce em avalanche ceifando vidas.
Não, temos que mudar este sistema de três poderes que se digladiam entre si, porque é exatamente isto que mantem e manterá esta nação subdesenvolvida enquanto tivermos governos de homens e não de leis.
Foi a mulher Therezinha Zerbini que liderou a campanha da anistia em 1978, de lá para cá já temos 54% da população brasileira ser de mulheres. Esta proporcionalidade não existe nos nossos tribunais e tudo isso, no momento histórico que a civilização premia as mulheres com Prêmio Nobel da Paz, pela sua luta pela igualdade de direitos com os homens. Não. Continuar assim para seguir em frente é aceitar o que aconteceu com a campeoníssima Ana Moser, primeira mulher a ser defenestrada do imenso ministério do Executivo. Mais uma a ser trocada por homem.
Seguir em frente com democracia é convocarmos uma CONSTITUINTE EXCLUSIVA, com 50% de homens e mulheres para que em 2 anos exclusivamente se dediquem a redigir uma nova constituição a ser submetida ao voto direto do REFERENDO DO PODER SOBERANO DO POVO. Teimar com este sistema arcaico e ultrapassado é legarmos às novas gerações um país pior e sem perspectivas de futuro. Constituinte exclusiva já.
NILSO ROMEU SGUAREZI, advogado, ex-deputado constituinte de 1988, defensor da tese da CONSTIUINTE EXCLUSIVA, com 50% de homens e mulheres, sem fundo eleitoral, com voto distrital e inelegibilidade de 10 anos para quem escrever a nova constituição.