10/05/2018

Sarney, homem de fé! – por Antenor Demeterco Júnior

 

O ex-presidente sempre teve profundas ambições literárias, chegando até, durante seu mandato, levar consigo em viagens internacionais o célebre escritor Jorge Amado.

Não me consta que seus livros tenham sido lidos entusiasticamente em nosso país, embora tenha merecido um deles, tradução para o chinês.

É por demais interessante o seu “Galope à Beira-Mar, casos e acasos da política e outras histórias” (2018), em que conta estórias capazes de terem influenciado, direta ou indiretamente, a História do país.

Alguns episódios citados são hilários.

O deputado Ranieri Mazzilli, por exemplo, candidato derrotado a presidente da Câmara dos Deputados recebeu na ocasião 167 votos, mas teve a solidariedade de 250 deputados, “todos com a mesma cara”, inclusive os traíras.

O vencedor foi o candidato do então presidente Castelo Branco, Bilac Pinto.

Castelo lembra Sarney, teria investido contra o “militarismo” no Brasil: podou ambições políticas de generais, estabelecendo o domicílio eleitoral para candidatos e fixando tempo para permanência no posto.

Não permitiu que se agregassem funções políticas (governos de Estados) a funções militares.

Já Jânio Quadros dobrava sozinho uma garrafa de Johnnie Walker, e ia firme no vinho do porto.

O ministro da Justiça Fernando Lyra (possivelmente acompanhado do hoje senador Cristovam Buarque) despertou o ex-presidente pela madrugada para comunicar-lhe que a agonia de Tancredo Neves era o resultado de um feitiço.

E o ministro localizou o curandeiro maléfico e o “despacho”, uma boneca de pano cheia de alfinetes (cf.p.124-125).

Outra estória interessante é a da famosa vidente de Minas Gerais dona Maria do Correio, que com suas previsões teria afastado Magalhães Pinto do namoro com o infeliz presidente João Goulart, levando-o a conspirar contra o mesmo e encaminhando seu Estado à Revolução de 31 de março de 1964 (cf.p.289).

Homem de memória extraordinária, Sarney esqueceu-se, no entanto de contar seus casos pessoais, que devem ser muitos.

Lá em Codó no Maranhão vive Wilson Nonato de Souza (de idade entre 90 e 105 anos), o Bita do Barão, praticante de “ciências ocultas”, mais especificamente do “terecô” de origem africana.

Milionário e caridoso (atende grátis as quartas-feiras) é o pai-de-santo oficial da família Sarney.

Seus tambores soaram, segundo contam, por sete dias antes do falecimento de Tancredo, anunciando a futura posse do cliente fiel: Sarney na Presidência da República.

Não é extraordinário historicamente que homens públicos procurem gurus e videntes, ante as inseguranças, invejas e ódios que o prestígio político desperta.

Esta prática parece ser universal (inclusive entre ateus), e de salas obscuras muitas vezes saem decisões e orientações com impactos históricos, quase nunca detectados por historiadores.

Não é o caso de Sarney, um dos mais astutos políticos brasileiros por décadas e décadas (para o bem ou para o mau), pois, como asseverou Gustave Le Bom, já em 1895, “Só pelo fato do indivíduo ocupar uma certa posição, possuir uma boa fortuna ou estar carregado de títulos nobiliárquicos, tem prestígio, ainda que o seu valor pessoal seja nulo” (in “Psicologia das Multidões”, p. 108, ed. Portuguesa de 1909).

O Brasil do passado e do presente merece um exame mais aprofundado da mediocridade de algumas de nossas figuras maiores, responsáveis algumas pelos maus dias que nos estão sendo impostos.

Por Antenor Demeterco Júnior – Advogado

 

Compartilhe:


Voltar