28/11/2017

O bom caminho é apoiar as reformas – por Antonio Delfim Netto

O bom caminho é apoiar as reformas

Por Antonio Delfim Netto

Descontados os efeitos da sazonalidade e da taxa de inflação, a arrecadação federal parece dar sinais de recuperação. Confirma os indícios setoriais que apontam para o crescimento de 1% do PIB em 2017. Tudo sugere que deixamos para trás a tremenda recessão (2014-16), resultado de um voluntarismo oportunista que, somado a uma ambição política desmedida, deixou como herança uma redução de 9% da renda per capita dos brasileiros, 13 milhões de desempregados e a destruição do equilíbrio fiscal.

Entre 2013 (antes do “vale tudo” eleitoral) e 2016 (que estava dado quando Temer assumiu), o superávit primário de 1,7% do PIB já havia se transformado em um déficit primário de 2,5%; o déficit nominal do Tesouro já havia triplicado de 3% para 9% do PIB e a dívida pública já havia explodido, de 52% para 70% do PIB. O curioso é que a oposição pretende convencer a sociedade de que isso se deve a Temer!

Nos tumultuados 18 meses de seu governo, ele se manteve determinado. Com a colaboração do Congresso, aprovou o que parecia impossível: uma restrição constitucional à expansão do gasto público. Foi, apenas, o primeiro passo para o restabelecimento do equilíbrio fiscal. Mesmo depois da trágica delação superpremiada da JBS, cada dia mais nebulosa, aprovou-se um importante “aggiornamento” da legislação trabalhista, que dará um pouco mais de flexibilidade ao mercado. É óbvio que para funcionar bem ela requer um aumento da paridade de poder entre o “trabalho” e o “capital”. Isso exigirá organizações sindicais independentes (do Estado e do poder econômico) e competitivas.

Tudo sugere que deixamos para trás a recessão de 2014-16

A Operação Lava-Jato (a única unanimidade na nossa sociedade lamentavelmente tão dividida) revelou que a unicidade geográfica e o imposto sindical criaram sindicatos acomodados, e que alguns dirigentes traíram seus associados em benefício próprio.

A organização da sociedade num regime que combina objetivos não plenamente conciliáveis: 1) liberdade de iniciativa; 2) relativa igualdade; e 3) eficiência produtiva, que permita a cada um dos seus membros gozá-las, exige que os trabalhadores se organizem politicamente para enfrentarem o poder político do “capital”.

Lembremos que a produção eficiente do PIB – a soma de todos os bens e serviços produzidos pela combinação do “trabalho vivo” com o capital (trabalho passado cristalizado em bens de produção que multiplicam a produtividade do trabalho vivo) acumulado nas mãos de alguns cidadãos mais criativos, diligentes ou afortunados – é um problema técnico. Sua solução exige: 1) a utilização prática do conhecimento científico acumulado pela sociedade; e 2) uma quantidade fantástica de informações para compatibilizar o que deve ser produzido para atender aos desejos da coletividade.

Como o homem tem lidado com esse problema? Desde tempos imemoriais reconheceu: 1) as vantagens crescentes da divisão do trabalho; 2) que as “feiras” (os “mercados”) estabeleciam relações de troca (os preços) entre bens e serviços aceitáveis pelas duas partes; e 3) que eles tendiam a igualar a quantidade disponível de cada bem ou serviço com os desejados pela sociedade.

Os economistas refinaram o funcionamento dos “mercados” competitivos e “descobriram” que são tão mais eficientes quanto mais seguro for um “direito de propriedade”, que transcende a tudo o que se poderia considerar como “natural”. O “mercado” é uma espécie de instituição gerada espontaneamente nas relações sociais. Não tem nada a ver – ideologicamente – com o “capitalismo”.

Se produzir é um problema técnico que depende da colaboração do “trabalho” com o “capital”, distribuir o produzido sempre foi, e sempre será, um problema político, resolvido com inteligência e compreensão pelo exercício da “política” nos regimes de liberdade ou, arbitrariamente, pelo poder da minoria nos regimes autoritários.

O que chamamos de “capitalismo” tem virtudes e graves defeitos, reconhecidos muito antes que Marx lhe tivesse feito a mais rigorosa e destrutiva análise. O problema é que tudo o que se construiu como alternativa para atingir a liberdade a igualdade e a eficiência produtiva malogrou. Neste mês comemoramos o centenário do contundente fracasso da mais generosa experiência, que terminou num bárbaro autoritarismo. Na semana seguinte à destruição da URSS, o “homem novo” que se supunha “comunista” revelou o que fazia escondido: dançou o “rock”… A China aprendeu a lição!

A verdade é que todas as sugestões do “socialismo democrático” foram piores do que o “capitalismo”. Ignoraram que não há como emergir de um cérebro peregrino uma solução que torne imediatamente factível uma sociedade que compatibilize liberdade, igualdade e eficiência produtiva.

Se um dia chegarmos a essa sociedade “civilizada”, há de ser pela continuidade do processo histórico seletivo, quase biológico, que desde o século XVIII vem aumentando a paridade de poder entre o “trabalho” e o “capital” através do uso sistemático da política simbolizada numa “urna” livre e honesta, combinada com a organização de “mercados” competitivos bem regulados por um Estado enxuto constitucionalmente limitado. É por isso que vale a pena apoiar as reformas propostas por Temer.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

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