05/01/2019

O ano em que a esquerda quebrou – por Luiz Felipe Pondé

Por Luiz Felipe Pondé (publicado na Folha de SP)

A esquerda tomou um baque neste ano no Brasil. Não digo isso como festa. Digo isso como fato. Requentou um candidato (por falta de opção) que tudo que fez na Prefeitura de São Paulo foi alimentar a pequena Amsterdã que existe dentro dos jovens riquinhos paulistanos com pistas para bikes caras.

Por outro lado, alimentou o culto de um político datado e preso. O PT é um partido velho em sua visão de mundo. As outras opções da esquerda se perderam entre a moçada que ocupa a casa e a terra dos outros, a defesa das “minorias”, artistas ávidos por meter a mão no dinheiro público e movimentos estudantis truculentos. Triste fim.

Essa casa em ruínas de velhos loucos sem dentes (com fotos apagadas do Lula entre os dedos trêmulos) assistiu à caravana do populismo ressentido passar vitoriosa. O Brasil asfixiava sob a bota da tara monopolista corrupta do PT. As cadelas hidrófobas saíram do armário mordendo, depois de décadas de cativeiro.

De repente, dos escombros da inteligência de esquerda, brota seu “novo conceito crítico”: a elite perdeu o verniz. Risadas? Militante nunca teve verniz. A esquerda mente tanto que esqueceu quando está mentindo. A direita, agora no poder, fará sua experiência “pessoal” do poder gravitacional da mentira.

Por que a esquerda quebrou? Por que ela mente tanto? Antes de tudo, por vaidade. O maior pecado da esquerda é a vaidade do bem. Se a direita peca por rancor, a esquerda peca por orgulho. Vaidade, vaidade, vaidade, vaidade das vaidades. Mas, para além da vaidade (ninguém consegue aderir a alguma militância sem construir um conjunto mínimo de vaidades), a esquerda quebrou porque mente. Mente porque, do contrário, tem de encarar a realidade. A falta de autocrítica do PT ao longo do ano é a prova de que a mentira é uma estratégia profunda. Mais do que meramente política, ela é um vício cognitivo e epistêmico. A esquerda tem de mentir para sobreviver em seus coquetéis, festivais de cinema, mesas acadêmicas e em suas colunas sociais.

Se a direita tem de provar que não é mais escrota, a esquerda tem de provar que nunca foi. E aí, a história é cruel com a esquerda. Só não é mais porque historiadores orgânicos continuam trabalhando descaradamente em favor desse “verniz”. Risadas? O problema da mentira cognitiva e epistêmica é que ela acaba deixando você burro.

Como justificar o culto a Cuba sem ficar burro? Como cultuar Fidel sem mentir? Mas olhemos para coisas “maiores”. Se em 1964 o Brasil tivesse caído sob o domínio soviético, o país teria se transformado numa ditadura da mesma forma —levando-se em conta o contexto geopolítico de então, claro. Ou talvez num outro Vietnã. Cuba é uma ilhota, o Brasil é um continente.

Os mesmos comunistas que agora aparecem se oferecendo como vítimas (e, no contexto objetivo da época no país, foram mesmo vítimas de violência, tortura e abusos, que nenhum inteligentinho de direita venha negar o óbvio), se tivessem se instalado em Brasília em 1964, teriam matado, torturado, violentado, roubado, como todo comunista fez quando tomou o poder. Quem não reconhece isso é mentiroso. A militância política corre o mesmo risco de irracionalidade que a fé religiosa.

A esquerda optou por oferecer uma autoimagem de pessoas que carregam flores e livros nas mãos enquanto a direita carrega armas e porretes. Assustou-se quando grande parte do país parou de crer nessa imagem falsa. A esquerda, historicamente, carregou poucos livros nas mãos. Carregou apenas os que rezavam na cartilha. A esquerda foi sempre autoritária, mentirosa, violenta. Quem conviveu com ela, sem ser parte dela, sabe disso.

É claro que nem todo mundo nela é assim, assim como nem todo mundo que quer um Estado menor no Brasil acha que gente deve morrer de fome.

A pergunta que se deve fazer é: Por que durante o regime soviético era este quem prendia seus cidadãos dentro da cortina de ferro e não o mundo dos “porcos capitalistas”?

O comunismo, além de destruir a economia por onde passou (veja a Venezuela e Cuba), destruiu a liberdade, o cotidiano, instituiu formas de destruição das famílias, levando os filhos a denunciarem os pais, alimentou os maiores canalhas dentro de seus países, assassinou, prendeu, torturou, chacinou, enfim, matou em números mais do que os nazistas.

A esquerda quebrou porque mente demais. Mente porque seu passado a condena de forma evidente. Mente porque a “hipótese comunista” só funciona regada a queijos e vinhos.

Luiz Felipe Pondé é escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Leia também em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2018/12/o-ano-em-que-a-esquerda-quebrou.shtml

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