23/11/2018

Manter a casa arrumada – por Zeina Latif

Manter a casa arrumada
Zeina Latif

O próximo presidente do Banco Central assumirá a instituição com a casa bem mais arrumada: sua credibilidade restaurada; o reconhecimento da comunidade internacional; diretoria de grande qualidade técnica; nenhuma necessidade de guinada das políticas monetária e cambial; e uma bem definida (e já iniciada) agenda de medidas estruturais.
A gestão de Ilan Goldfajn entregará dois anos seguidos de inflação baixa, após 7 anos consecutivos de inflação acima da meta de 4,5%. Como resultado, as projeções de inflação dos analistas de mercado estão em patamares compatíveis com as novas metas para os próximos anos (4,25% para 2019, 4% para 2020 e 3,75% para 2021).
Ainda que não sem tropeços, houve o aprimoramento da comunicação do BC. Ficou mais fácil compreender seu diagnóstico do quadro econômico, os cenários para a inflação e, portanto, as implicações na estratégia de política monetária. De quebra, o Copom, Comitê de Política Monetária, contribui para o avanço da agenda econômica ao explicitar a necessidade de reformas fiscais para garantir o cumprimento das metas de inflação no médio e longo prazos.
Importante reconhecer a independência que o governo Temer deu à instituição, bem diferente do governo anterior.
Não é só de reunião do Copom, porém, que vive o BC. O avanço da agenda estrutural, após anos de letargia, é importante legado da gestão de Ilan. A Agenda BC+ visa a ampliar a cidadania financeira, modernizar a legislação que rege o sistema financeiro, promover a eficiência da intermediação financeira e reduzir o custo do crédito.
Na prestação de contas do primeiro ano de implementação da agenda – algo essencial e com pouca tradição na administração pública no Brasil –, observam-se importantes avanços.
Para citar alguns, ampliou-se a capacidade do BC de apurar e punir infrações no sistema financeiro e estabeleceu-se novas regras para os processos administrativos. Ainda que envolva temas controversos, como na introdução de acordos de leniência com o BC, o passo foi na direção correta.
Para baratear o crédito, o BC avançou em várias frentes: criou um novo instrumento de crédito ao setor imobiliário (regulamentação da Letra Imobiliária Garantida, que conta com isenção de imposto de renda e tem garantias reforçadas ao investidor); limitou o uso do cartão de crédito rotativo (o consumidor não pode mais pagar o valor mínimo da fatura por vários meses consecutivos, o que obriga os bancos a oferecerem uma linha de crédito mais barata); e implementou a diferenciação de preços ao consumidor de acordo com o prazo e o meio de pagamento utilizado (abre-se espaço para redução de preços para a maioria da população que não faz uso de cartão de crédito).
Mais recentemente, o Congresso aprovou o projeto que regulamenta a emissão da chamada duplicata eletrônica. Ao reforçar garantias e evitar fraudes, a medida contribui para a redução da taxa de juros ao tomador final.
Várias outras medidas visaram aumentar a eficiência do sistema financeiro, com impacto no custo do dinheiro, como a simplificação de regras dos depósitos compulsórios que bancos mantêm no BC, a regulação diferenciada das instituições financeiras de acordo com seu porte e o registro eletrônico de garantias.
A agenda é extensa e precisa ter continuidade. Enganam-se os que acreditam que essas medidas microeconômicas são pouco relevantes e de fácil aprovação no Congresso. Elas eliminam obstáculos ao crescimento do crédito e enfrentam resistência de grupos que se beneficiam da burocracia, como cartórios. Um exemplo é a dificuldade de aprovação do projeto do cadastro positivo.
Será necessário o protagonismo do próximo presidente do BC para avançar nesta agenda, assim como foi o de Ilan em importantes pautas legislativas, algumas não diretamente ligadas à instituição, como nas discussões da regra do teto. O mesmo talvez seja necessário na reforma da Previdência, que é essencial para manter a inflação baixa. Ter a casa arrumada dá trabalho.

A autora é economista da XP Investimentos.

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